Nervo – Colectivo de Poesia

PARA QUE SERVE UMA REVISTA DE POESIA? NERVO/11 EDITADA POR MARIA F. ROLDÃO

Para que serve, hoje, uma revista de poesia, em especial se não possuir um perfil demasiado específico? Pelo menos entre nós, não funciona certamente como veículo preferencial de algum grupo com afinidades poéticas entre os seus membros, ou de algum movimento estético.
Mas pode servir como órgão de um colectivo que reivindique a poesia como “coisa essencial, energia, força vital”, se nos ativermos a uma das definições de ‘Nervo’ citadas a páginas dois da revista com o mesmo nome.
O colectivo a que me refiro tem em Maria F. Roldão uma das suas mentoras. Poeta (publicou “Pequeno Sangue” (Volta d’Mar, 2021) e eu aprecio os poemas seus que li na Internet), alentejana, socióloga de formação e professora, Maria F. Roldão assume aqui o papel de editora e de divulgadora de poesia, abrindo a revista “Nervo”/11 com um texto sobre poetas de curta vida mas de prolongado fulgor (Cesário, Nobre, Sá-Carneiro, Florbela, António Maria Lisboa, Manuel de Castro, Luís Miguel Nava, Daniel Faria).
Em seguida, abre-se-nos a segunda porta da “Nervo” para a escrita de vozes de diferentes gerações e muito diversas poéticas: Aurelino Costa, Bruno Fidalgo de Sousa, Fábio Neves Marcelino, Inês Dias, José Guardado Moreira, Luís A. Fernandes, Luís Serra, Marco Mackaaij (holandês de nascimento), Nuno Júdice, Paulo José Costa, Raquel Nobre Guerra e Tatiana Faia. Em comum a qualidade poética, nada mais, a qual satisfará gostos diferenciados. E a possibilidade (valiosa, insisto) que nos é dada de convivermos com a diversidade dos modos de expressão poética. No final, as notas biográficas dizem-nos quem são os poetas e assim os ficamos a conhecer um pouco melhor, sobretudo os mais jovens.
À primeira abordagem, capturam-me o poder evocativo de “Súplica e é domingo”, de Aurelino Costa, e, atraído eu sempre pelas formas breves, os pequenos poemas em terceto ou em dístico de Luís Serra, a lembrar o haicai e o aforismo; também, num dos seus poemas, a frase de Raquel Nobre Guerra “Porque escrever é a forma de entregar | a consciência de alguns a alguém” e ainda as variações de Inês Dias sobre Buson. À segunda leitura muitas outras coisas me capturam, claro, incluindo as vozes mais conhecidas – que em geral nunca são as primeiras que vou ver.
Folheando, lendo aqui e acolá, voltando atrás, relendo, aventurando-me aos poucos na revista – assim prossigo. E esta deambulação é uma das vantagens de haver revistas de poesia, acrescento. Que, obviamente, se vivêssemos sob um governo que valorizasse a criação cultural, deveriam ser apoiadas por instâncias públicas.
Outra vantagem é a abertura de algumas à publicação de traduções de poetas estrangeiros. Aqui, Antón García e José Angel García Caballero, o primeiro asturiano, o segundo valenciano, traduzidos respectivamente por Luís Filipe Parrado e por André Domingues. Tanto García como García Caballero são vozes cujos predicados poéticos não suscitam dúvidas, ambos tocando a nossa sensibilidade e a nossa inteligência.
A “Nervo”/11 oferece-nos ainda como que um bónus: a vívida evocação da existência e da obra desse fogo vivente que foi Sebastião Alba, por ocasião da publicação de “Todas as Noites Me Despeço” pela Opera Omnia. Autor: Amadeu Ribeiro Santos.
De referir que o argentino Flavio Man ilustra com os seus desenhos a “Nervo” / 11, encarregando-se da capa e captando o nosso olhar.
É para este diálogo intercultural e interartístico, é para proporcionar a variedade dentro da qualidade que, penso eu, servem hoje as revistas de poesia. E também, às vezes, para nos oferecer num mesmo volume contributos diferenciados em termos de expressão: o poema, o pequeno ensaio, a tradução, o desenho… O nosso prazer em as procurarmos e lermos radica também aí.
Estes alguns dos desígnios de uma revista de poesia como a “Nervo”, sendo que o primeiro prazer será, em definitivo, o da leitura de vozes diferenciadas e ‘last but not the least’, certa democratização do acesso à poesia, em especial a poesia nova (dando-lhe um espaço para conviver com a de consagrados – oh que pesado termo). E isto considerando que os livros de poesia são efectivamente caros, tendo em conta o número diminuto de compradores/leitores.
Saúde-se, pois, o décimo primeiro número da “Nervo” (Maio-Agosto 2021) (onze números é obra!). O grafismo é sóbrio mas cuidado. Leia-se, observe-se, desfrute-se. Vale a pena. E que não haja dúvida: a beleza habita esta revista de poesia.

(João Pedro Messeder – 07 de Junho de 2021)